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A CPMF, a paranoia e a cegueira

Uma possível volta da Contribuição “Provisória” sobre Movimentação Financeira – CPMF (uma das marcas do mandato de Fernando Henrique Cardoso) tem mostrado o quanto a polarização entre governo e oposição já ultrapassa os limites cômicos e beira a insanidade. De o presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), dizer que o novo tributo seria insuportável ao ministro da Fazenda, Joaquim Levy, afirmar que o povo brasileiro aceitará pagar um pouquinho a mais de imposto tem muita lama passando por baixo.

Comecemos pelo lado do governo. Pagar 0,2% ou 0,38% sobre movimentação financeira não é tão pouco imposto quanto alegam os otimistas, pois ela se soma a todos os outros impostos, taxas e contribuições e sem aceno possível de alíquota zero de Impostos sobre Produtos Industrializados – IPI para bens duráveis, como veículos e eletrodomésticos, além do provável aumento do imposto de renda no ano que vem. Outros, mais entusiastas, dizem que é um imposto democrático que vai atingir também os ricos. Rufemos os tambores!

Para tentar emplacar um discurso de necessidade, o governo Dilma apela para a previdência dando o seguinte recado: sem a CPMF talvez o governo não consiga pagar as aposentadorias, então precisamos dessa ajuda. O apelo à previdência é porque, diferentemente da época do criador do imposto, a saúde pública era mais acessada por uma parcela de influenciadores de opinião e muito pouco agora, pois os planos de saúde privados estão atendendo (mal) quase todo esse mundo.

Por outro lado, se não chega a ser um escárnio, como afirma um engraçado e inconstante articulista da Veja, não deixa de ter um impacto na economia. Ainda que isso me custe, sei lá, trinta reais ao mês, isso pode significar um bom almoço, uma ida ao cinema ou uma parcela de algum produto que comprei ou ainda o combustível de alguns dias. Em um ano, já é um valor considerável, mas não o fim do mundo. É mais complicado para grandes investidores, que representam uma parcela muito pequena na população, mas nada que a criação de um factoide para oscilar as ações de grandes empresas – de preferência, estatais – não resolva.

Imposto democrático está longe de ser, por dois motivos muito simples. O primeiro é que não considero justo que pessoas com menos renda pague proporcionalmente o mesmo tanto que quem tem muito dinheiro. Até mesmo porque uma parte significativa da renda daqueles que vivem com até três salários mínimos já está atrelada aos impostos embutidos nos produtos consumidos, diferente, muito diferente, do percentual de renda comprometida de um rico ou milionário que tem recursos para aplicar em ações e outros investimentos de médio e longo prazos.

O outro ponto é que diferente do empregado, o empresário vai repassar esses custos ao consumidor e ainda botar a culpa na Dilma. Não é ele quem vai pagar o pato. Se o preço da comida a quilo subir, por conta disso, de R$ 31,90 para R$ 34,90; ou se a calça de grife subir de R$ 300,00 para R$ 330,00 você quase não perceberá a diferença. Mas, se perceber, já tem a presidenta para xingar e não fará as contas para perceber que o repasse final da empresa é muito maior que a alíquota de 0,20% ou 0,38% do novo imposto.

E onde está, no fundo, o problema? No que governo e oposição não querem falar, que é cortar na carne. Enxugar o funcionalismo público para níveis realistas de quantidade de cargos e salários, cortar gastos com propagandas e despesas desnecessárias de gabinetes, taxar grandes fortunas, criar mecanismos que combatam a sonegação que só este ano já ultrapassou 368 bilhões de reais. Não, eu não escrevi errado, pode clicar aqui para ver.  E um ponto nevrálgico: combater com muito rigor a corrupção em todas as esferas políticas.

Mas como essas coisas atingem diretamente aqueles que querem chegar ou se perpetuar no poder, vamos continuar achando que a culpa ou a salvação é fazer mais um cortezinho, para uns, ou um verdadeiro escalpelamento para outros.

About André Alves

jornalista e blogueiro

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